quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

DIREITOS HUMANOS E MINORIAS SEXUAIS O “terceiro sexo” luta para conquistar seu lugar

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Por Isabelle Eichenberger, swissinfo.ch
23. Janeiro 2013 - 11:00
É difícil nascer nem menina nem menino. É ainda mais difícil definir um gênero antes de saber quem somos. Depois da mobilização dos intersexuais contra a cirurgia e os tratamentos hormonais precoces, as autoridades suíças lançaram um debate nacional pluridisciplinar a fim de proteger os direitos da criança.
“Imaginem que uma parteira seja incapaz de dizer se menina ou menino, que você não saiba como chamar seu bebê, como anunciar seu nascimento aos amigos e ao cartório de registro civil: ele nasceu com um cromossoma XY de um menino, mas também com um útero, um pênis e um clitóris.” É assim que Karin Plattner conta sua angústia quando do nascimento de seu primeiro filho, treze anos atrás.

Hermafroditismo, pseudo-hermafroditismo, ambiguidade sexual, intersexual, distúrbios do desenvolvimento, variações do desenvolvimento sexual: estes são os termos utilizados sucessivamente para designar essa situação que ocorre em pelo menos um em mil nascimentos, segundo a Intersex Society of North America.

Uma situação que resume o Dr. Blaise Meyrat, cirurgião-pediatra no Hospital Universitário de Lausanne (CHUV): “É um bebê ou um adolescente cujo estado não permite atribuir um sexo ou em que o sexo atribuído não corresponde aos órgãos genitais internos ou externos. É um situação intermediária, mais de um lado ou de outro, mas ao longo de um amplo espectro de desenvolvimentos.”

O sexo também é social

Entre 1950 e 1990, para classificar as crianças no sistema binário do registro civil, operações de definição sexual e tratamentos hormonais foram praticados a crianças pequenas, mesmo se ambiguidade delas não representava um risco para sua saúde. Dava-se a elas uma espécie de sexo social.

“Considerava-se que era importante ter um tratamento rápido para inserir o indivíduo na sociedade e atender à profunda angústia dos pais. Posteriormente estudos começaram a demonstrar que os resultados da cirurgia não eram nem simples nem satisfatórios”, prossegue o Dr. Meyrat.

Quando elas são irreversíveis, essas intervenções podem de fato causar danos se o sexo atribuído não corresponde ao mental. Na época, Karin Plattner tinha recusado a operação de seu filho, que ela tinha criado como uma menina esperando que ela mesmo se determinasse. O que pode ser feito a partir de 6 anos ou mais tarde na adolescência.

Cofundadora em 2008 da Associação Zwischengeschlecht ,  a própria Daniela Truffer, foi operada em menina aos três meses de idade. “Eu fui castrada. Um país que pune as mutilações sexuais não deve tolerar operações de pura cosmética. Apesar das recomendações de prudência, certos médicos continuam a operar” revolta-se a natural de Zurique de 47 anos, que milita pelo direito à integridade física.

De uns anos para cá, certos médicos como o Blaise Meyreat pensam que, quando não é necessário, não se deve operar imediatamente. “É preciso determinar onde está o maior perigo: para a saúde somática ou para a saúde psicológica da criança. Claro que os pais são estressados, mas a operação do bebê também é muito estressante, ainda mais que são várias intervenções.”

Um direito humano

Após uma intervenção no Parlamento, o governo convocou a Comissão Nacional de Ética para a Medicina Humana. Em outubro passado, ela fez uma recomendação que anuncia mudanças: “Por razões éticas e jurídicas, nenhuma decisão significativa para determinar o sexo de uma criança deveria ser tomada antes que essa criança possa se pronunciar por si mesma (...) quando operações de definição sexual não constituem urgência médica.”

 Mas esse veredicto surpreende.  Judith Wyttenbach, vice-diretora do Centro Interdisciplinar de Estudo do Gênero da Universidade de Berna, especialista do direito público, saúda “o início no plano nacional de um discurso dominado até agora pela medicina”. Ela acrescenta que “os direitos humanos valem para todos. Baseado no sexo, nosso sistema oficial é inflexível e não deixa qualquer espaço para quem não é homem nem mulher.”

Será necessário, como na Austrália, criar um “terceiro sexo”? A Comissão de Ética recomenda “que a indicação do sexo na certidão de nascimento possa ser modificada sem complicação burocrática.”

Por sua vez, Judith Wyttenbach gostaria que constasse pelo menos a menção “sexo não determinado”, para resolver a dicotomia homem-mulher na sociedade. “A reação à intersexualidade deve ser balanceada entre os interesses dos pais e das crianças”, explica a jurista. “A criança tem direito primordial à integridade corporal e, se os pais têm direito de tomar decisões por ela, isso sempre deve se feito no interesse presumido da criança, a curto e a longo prazo.”

O Dr. Meyrat ficou “felizmente surpreso” pelas recomendações da Comissão de Ética, mas estima que será preciso tempo para que “o pêndulo parta no outro sentido”. Por isso ele defende uma lei vinculativa. “É pena que, devido a falta de clareza ética que reina profissão médica, seja necessário ditar regras pelo legislador, mas, a meu ver, é a única solução.”

analizar o fenômeno

Enquanto isso, a educação sexual é o melhor instrumento para quebrar os tabus sociais. “Os manuais escolares deveriam falar das numerosas variantes da intersexualidade para que as crianças sejam ao mesmo tempo aceitas e melhor informadas, como aliás os adultos”, defende Daniela Truffer.

Até porque, segundo Blaise Meyrat, “os casos de intersexualidade aumentam, especialmente devido à alimentação e aos produtos corporais. A chance é que, se o fenômeno se torna frequente, ele será banalizado.”





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