domingo, 27 de abril de 2014

Defensor de direitos humanos é cada vez mais criminalizado no País, diz estudo

IG- Último segundo/Política

Relatório que será lançado em maio abordará ainda as formas encontradas pelo Estado para enquadrar os movimentos sociais

A criminalização de movimentos sociais e de ativistas de direitos humanos no Brasil é crescente e as políticas adotadas pelo próprio governo não foram suficientes para barrar este processo nos últimos quatro anos. Esta é a principal conclusão do relatório “Na Linha de Frente – Criminalização dos Defensores de Direitos Humanos no Brasil”, que será lançado no próximo mês pela organização Justiça Global.
O documento analisa as ameaças, assassinatos, prisões, e outras formas encontradas pelo Estado, quando demandado por setores mais conservadores, para desqualificar a luta em defesa dos Direitos Humanos no período entre 2006 e 2012.
Para a coordenadora da organização, Sandra Carvalho, embora o documento trate de fatos ocorridos até 2012, o processo de criminalização se radicalizou ainda mais nos últimos dois anos, já que os grupos vulneráveis citados no estudo permaneceram perseguidos e outros conflitos se somaram. “O que a gente percebe é que os conflitos citados no documento não foram solucionados e mais problemas surgiram”, ressalta Sandra Carvalho.
Entre as violações citadas no texto está o conflito indígena no sul da Bahia envolvendo o povo Tupinambá. O mais recente episódio deste conflito foi a prisão do líder indígena Rosival Ferreira da Silva, conhecido como Cacique Babau, que se entregou à Polícia Federal na quinta-feira (24). Ele seria recebido pelo papa Francisco, em Roma, para falar da luta pela terra do povo Tupinambá, mas foi impedido de sair do país devido a acusação de ter participado do assassinato de um pequeno agricultor, fato negado pelo cacique.
“Um exemplo de resistência política é a luta travada pelos Tupinambás, no Sul da Bahia, para garantir o direito às suas terras, cultura e, até mesmo, identidade indígena. Esse povo tem sido vítima de um forte processo de criminalização, que envolve latifundiários, Polícia Federal, poder público e os meios de comunicação”, aponta o texto.
“O acirramento de violências contra este povo vem se dando desde que o relatório de identificação e delimitação da Terra Indígena Tupinambá, elaborado por um grupo técnico de trabalho constituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em cumprimento à Constituição Federal, ao Estatuto do Índio e ao Decreto 1775/96, foi publicado em 1996. Desde então os Tupinambá têm sido intenso alvo de acusações, ameaças, tentativas de homicídio, além de sofrer uma forte campanha discriminatória por parte da classe política e econômica local, que historicamente invade e destrói a Terra Tupinambá”, descreve o relatório ao qual o iG teve acesso.
Entre os casos apontados, estão os atos violentos contra contra comunidades tradicionais atingidas por grandes empreendimentos na Amazônia e no Nordeste brasileiro. Neste contexto, o documento analisa os conflitos no Pará, produzidos pela intensa atividade mineradora, a luta do povo Truká pela recuperação de seu território e contra a transposição do Rio São Francisco, obra prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. O documento também relata a violência contra o povo Guajajara no Maranhão.
Na região Sudeste, o documento também relata, entre outros casos, o processo de criminalização de pescadores do município de Magé, localizado na região metropolitana do Rio de Janeiro, contrários a empreendimentos da Petrobras.Neste caso, o relatório detalha o caso de Alexandre Anderson de Souza, que é presidente da Associação de Pescadores de Homens e Mulheres do Mar (AHOMAR) e foi incluído, junto com sua esposa Daize Menezes de Souza, no Programa Nacional de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República em 2009, depois de repetidas ameaças e atentados contra a sua vida.
“A instalação dos dutos da Petrobrás inviabiliza a pesca artesanal, deixando os pescadores sem condições de trabalho e ou de se manter através dessa atividade econômica”, destaca.
Confira alguns dos principais pontos do relatório:
Formas mais comuns de criminalização de movimentos socais no Brasil
O relatório “Na Linha de Frente – Criminalização dos Defensores de Direitos Humanos no Brasil”, que será lançado no próximo mês pela organização Justiça Global mapeia as principais práticas de criminalização às quais os defensores de Direitos Humanos no Brasil são submetidos.
Desqualificação: Busca distorcer os sentidos e objetivos das demandas, discursos e práticas de determinados indivíduos ou grupos sociais, de modo a promover a sua difamação pública.
Invisibilização: Processo pelo qual se oculta a demanda, contexto social ou quaisquer manifestações de indivíduos ou grupos sociais, de modo a evitar que conquistem publicidade perante a sociedade, mídia ou instituições estatais.
Inferiorização: Estratégia que atinge indivíduos ou grupos sociais ao reduzir ou ignorar completamente a legitimidade de sua alteridade, historicidade, dignidade, diferenças culturais ou prática social.
Não-reconhecimento de direitos: Ocorre quando determinado grupo não tem na lei o reconhecimento de seus direitos. É o caso das violações cometidas contra a população LGBT que, apesar de não ser proibida por previsão penal a diversidade de gênero e de orientação sexual, esse segmento tem restringido o seu reconhecimento na medida em que diversos direitos previstos para relações de base heterossexuais.
Omissão: Decorre da falta de ação do Estado em vista de contexto de recorrente, flagrante ou iminente violação de Direitos Humanos contra indivíduos ou grupos sociais.
Cooptação: Estratégia de aliciamento de indivíduos ou grupos sociais, através de do oferecimento de vantagens políticas ou financeiras, para dissuadi-los, dividi-los ou exercer controle hierárquico de suas demandas.
Despolitização/individualização: Consiste em retirar o aspecto político de determinada luta social, ao individualizar a responsabilidade. Ocorre quando se atribui a um único indivíduo o interesse por demandas que são da coletividade.

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