Texto e fotos: Gabriela Féres, Jornalismo B
Familiares de presos políticos no período da Ditadura Civil-Militar do Brasil lançaram, em audiência pública nesta sexta-feira, a Rede de Filhos e Netos RS por Memória, Verdade e Justiça. O lançamento aconteceu no Memorial do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.
Através de depoimentos emocionados, os parentes das vítimas dividiram com o auditório as dificuldades que enfrentaram por terem sido alvos do Estado e traçaram um paralelo entre a repressão policial da época e a atual. A criação da Rede Filhos e Netos RS visa tornar públicos os efeitos das ações do Estado durante a Ditadura, reivindicar políticas públicas de atenção à saúde dos afetados pela violência do período e a responsabilização dos agentes públicos. A proposta é de prestar assistência psicológica e representar a resistência daqueles que não se conformam com a atual versão dos fatos históricos do país: “agem como se a Ditadura não tivesse existido. A memória segue enterrada, mas somente a verdade será capaz de construir uma sociedade justa”, afirmou Anamaria Visintainer, cujo pai, Antonio Simão Visintainer, foi perseguido e preso durante a infância da filha.
Com apenas 6 anos, Marília Benevenuto teve uma metralhadora apontada para si quando o Exército invadiu sua casa em busca do seu pai, Alberto Benevenuto, que se exilou na Argentina. A família continuou no interior do Estado e enfrentava a constante presença dos militares à espera de Alberto. A esposa dele estava grávida de gêmeos e, depois de uma visita do Exército à sua casa, entrou em trabalho de parto. No hospital, abortou involuntariamente os dois filhos.
A lembrança da ausência foi constante nos relatos. Gorete Losada tinha 10 anos quando seus pais, Sonia Venâncio Cruz e Antonio Losada foram levados pelo Exército. No ato da prisão, os militares espancaram a menina até que ela não pudesse mais enxergar. Sua mãe foi torturada por dez homens que a assistiam nua em uma sala e inseriam objetos em sua vagina. Seu pai sofreu com descargas elétricas e afogamento. Gorete conta que, enquanto isso, morava com a avó e lidava com dificuldades financeiras. Ao ir dormir, chorava por saudade aos pais e se preocupava que a avó não a ouvisse “para não entristecê-la ainda mais”.
“Para a minha família o período da ditadura ainda não terminou”, falou Marli Marlene Mertz, cujo irmão foi torturado no governo militar. Ela é mãe de José Vicente Mertz, integrante da Federação Anarquista Gaúcha que participou dos protestos de 2013 e é o único manifestante de Porto Alegre já condenado pela Justiça, com pena de um ano e seis meses de detenção por crime ambiental e dano ao patrimônio público. “A perseguição às supostas lideranças do Bloco de Luta se deu da mesma forma que era feito na Ditadura: policiais infiltrados nos movimentos identificando os militantes e tentando intimidar os protestos”. Os policiais arrombaram a porta da casa do filho e levaram panfletos e adesivos, e também fizeram uma revista discreta no apartamento de Marli quando os delegados foram questioná-la sobre Vicente: “Senti como se tivesse voltado aos anos 70″, conclui. Sérgio Luiz Bittencourt, do Comitê Carlos de Ré, constata algo no mesmo sentido: “O modelo de repressão da época da Ditadura não foi desmontado, ainda está presente e se materializa na população pobre”.
O projeto Clínicas do Testemunho, da Sigmund Freud Associação Psicanalítica, apoiou a criação da rede Filhos e Netos RS e foi responsável por reunir muitas das pessoas presentes na audiência. O projeto também oferece um espaço para auxílio e discussões sobre os efeitos psíquicos, sociais e políticos da ditadura.
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